Gole d'água #4 | Odeio paladar infantil
Por que devemos banir essa expressão que só infantiliza quem come mal e não representa as crianças que comem de tudo.
Olha, pra quem já sentou comigo, e mandou essa: “ai, eu tenho paladar infantil.” tomou um resposta daquelas. Afinal, comer nunca foi um problema na minha vida, eu com 2 anos comia bolinho de bacalhau sentada no balcão do Rei do Bacalhau na Tijuca. Era amante de verduras e legumes. Sempre gostei e experimentei de tudo. Mesmo. Só que isso não foi algo que nasceu comigo. Então, dê um gole no que você tiver bebendo que eu vou botar água nisso.
Vou começar contando o gatilho de criar esse Gole. Recentemente, na minha viagem de fim de ano pra Araruama conheci o Chico. Aos 6 anos, me deixou impressionada o quanto não só ele comia de tudo, mas como também era destemido na hora de provar. Eu, como boa instigadora, botei pra comer olho de peixe cozido brasa, eu curto muito. O Pai , Eduardo Boorhem (tem um TED lindo sobre o que você vai comer quando crescer), quase vomitou, mas ao mesmo tempo saiu de perto já que ele estava curioso. Chico provou, não gostou, cuspiu na minha mão. E eu falei: “Pronto, já pode falar por aí que comeu olho de peixe.” A carinha dele de orgulhoso foi tudo pra mim. Me impressionei também com os pratos variados. Óbvio que curtia besteira, normal, né?! Mas aqui a observação veio de que não era só besteira. Rolava um prazer mesmo.
Há alguns anos, quando criava conteúdo pra Gabriela Kapim e sua metodologia das 5 cores no prato e do programa “Socorro, meu filho come mal”, comecei a questionar esse termo paladar infantil. Pois, não só a gente infantiliza adultos, mas como exclui crianças como eu e Chico desse universo. O que me leva a questionar, por que diabos tem cardápio infantil num restaurante? O que nos é apresentado, a forma e tantas coisas questões podem ser levadas em conta. Há quem diga que fisiologicamente na natureza somos treinados pra repudiar o que é amargo, por exemplo, pois a maioria dos venenos são amargos. Se isso é uma pré-disposição, como justificar criança chupando limão?
Então, no que fui entendendo, uma criança não come bem, porque o hábito alimentar da casa dela é assim e ela apenas repete. De que adianta, colocar legumes no prato da criança se os pais não comem? Ou quase vomitam com uma comida como o Edu, só que fazem isso na frente dela? Claro que tem outras questões nas relações, minha irmã, por exemplo, quando está só comigo come muito melhor quando fica está com meu pai. O fator chamar atenção é uma questão também. Só que de tudo que li e vi, percebi que o a relação família x planejamento alimentar é muito importante. Não só pelo hábito, mas como o acesso a alimento também, muitos passam fome.
A verdade é que não existe um viés único, é uma construção. Então, você que não come de tudo, ou come muito doce, repare o hábito que vem de você e da sua família. Se você for meu amigo, invariavelmente eu vou te perguntar como é a alimentação na sua casa. E como bem converso com a Camilla Estima, minha amiga nutricionista e pesquisadora de comportamento alimentar, o que nos é apresentado e forma faz toda a diferença nessa construção. Nunca me esqueço quando ela me contou, que em uma pesquisa com crianças numa escola pública carioca, as crianças sabiam o que era o abacaxi no desenho, mas a fruta, o gosto, não tinham ideia.
A foto a cima é de uma lancheira de escola tradicional entre as crianças japonesas, geralmente essas são preparadas pelas suas mães ou pelos suas avós. A estética e beleza são muito importantes, o Kyaraben (キャラ弁) é nome dado aos obentôs feitos com personagens kawaii (可愛い) termo japonês utilizado para descrever algo fofo, bonito. Percebam a variedade e como os mais velhos estão presentes. Me lembro do Michael Pollan quando fala pra gente não comer nada que a sua vó não entenda como alimento. Eu já não concordo mais 100% com isso, mas que sem dúvida a gente deve reconhecer mais produtos nas suas cascas do que nas embalagens, isso sem dúvidas.
No Brasil escravocrata que enaltece a Dona Benta e esquece da Tia Nastácia (a verdadeira cozinheira do sítio, outra coisa que ainda vou falar por aqui). Precisamos conversar sobre paladar infantil, a cultura dos industrializados pesados como a Nestlé e Coca-Cola que chegam as casas mais distantes e não chega um alimento fresco e limpo. Ou o leite condensado que entrou na doçaria brasileira e modificou tudo. Nunca é tarde pra mudar e pra comer de tudo. Como dizia meu avô quando a gente falava que não gostava de algo: “Já comeu? Se sim ou se não, tem que provar umas 10 vezes pra dizer que não gosta.”
Pelo amor de dadá, não fala mais paladar infantil não. Ainda mais no país que passa fome.
É isso,
Beijo tchau.
Ps: Isso não era pra ser um Gole, hoje era pra vir uma Diluída, só que pra variar comecei num caminho, mas agora já quero partir pra outro. E eu que lute! Rs. Será que semana que vem ela vem? Veremos. Deixo aqui umas coisas complementares e fontes.
Fontes:
https://www.japanhousesp.com.br/artigo/obento-kyaraben/