Gole d’água #11 | Bar Varnhagem | Às vezes parar no tempo é bom
Hoje vou falar de um amor antigo, um bar que ia com a mãe, tanto pra comer quanto pra levar bolinhos pra casa. Um lugar que desde a década de 40 existe e resiste.
Uma esquina do buxixo da Praça Varnhagem tem um bar que é a mais pura resistência e essência dos botequins do Rio. Mas antes de falar dele, bora conhecer mais do meu bairro querido, do meu país Tijuca. Pega a cervejinha gelada que o Gole chegou com fome e história.
O historiador que dá o nome da Praça
Francisco Adolfo de Varnhagen, também conhecido como Visconde de Porto Seguro foi um militar, diplomata e historiador brasileiro. Como historiador foi bastante eurocentrico e eugenista em sua principal obra e pesquisa, o livro, História Geral do Brasil, produzido entre entre 1854 e 1857.
Escrito na época em que a história ganhava status de ciência, sua pesquisa foi bastante cartesiana, tendo como principal base a documentação oficial, prezando não só pela narrativa histórica, mas também pela biológica, etnológica e linguística. Mas com aquele viés branco privilegiado que a gente já sabe, né?!
No trabalho, o autor justifica a subjugação dos nativos, e uma superioridade do europeia sobre outros povos, baseado em determinismos raciais, sociais e geográficos. Apesar disso, Varnhagen era um critico a escravidão, pois tinha sentimentos pseudo-filantrópicos para com os índios do Brasil e defendia a abolição.
Verdade seja dita, apesar de muito ultrapassada, sua obra é considerada por muitos como a maior obra historiográfica sobre o Brasil Colonial já produzida. Como nos faltam narrativas sob outras perspectiva, não é mesmo?! Aproveito e vou deixar aqui o podcast que devorei sobre nossa história numa visão afrocentrada. Botei aqui o primeiro ep, só tem 8 e a pesquisa é fantástica.
Uma curiosidade que encontrei, o homem já foi Samba Enredo em 1969 na G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel com o nome a Vida e Glória de Francisco Adolfo de Varnhagen.
“São Paulo
Terra dos bandeirantes
Torrão natal
De um artista tão brilhante
Francisco Adolfo de Varnhagem
Ilustre personagem
Este vulto imortal
Exaltamos neste carnaval
Glória
Ao eminente historiador
Assim cantamos
Em seu louvor
Ô ô ô ô ô ô ô ô ô
Apresentamos
Nesta passarela
Esta história tão bela
De Visconde de Porto Seguro
Este gênio do passado
Foi honrado e agraciado
Com justas distinções
Por outras grandes nações
Obras literárias
Deste notável escritor
São lidas até hoje
Mostrando seu real valor
Existe no Largo da Glória
O busto deste grande brasileiro
Embelezando ainda mais
O cenário do Rio de Janeiro”
A praça dos passarinhos
Quando eu era criança, me lembro de passar na praça ao sábados, domingos ou feriados de carro e ver o vuco-vuco de gente com gaiolas, tinha uma época também que tinha aqueles sacos com peixinhos e caixas de pintinhos amarelinhos. Sim, na década de 90, tinha um feira de pássaros na praça, ficando assim conhecida como Praça dos Passarinhos. Nem vou entrar na questão ética, porque verdade seja dita, os anos 80-90 no Brasil é pros fortes e destemidos. Quem sobreviveu a andar na mala do carro lotado voltando da praia sabe.
Já nos anos 2000, a Praça virou reduto dos jovens com bares como Universidade do Chope, Só Kana, Garota da Tijuca e alguns outros. Rolava também uma concorrida e agitada festa junina, essa que vos escreve já tomou muito Contini e deu uns beijos na boca.
Mas, apesar do tempo passar, o entorno se modificar, tem uma encruzilhada de quatro cantos que não muda e resiste desde a década de 40.
O Bar dos Passarinhos ou Bar Varnhagen
Catei pelo endereço o CNPJ, a abertura data de 09/09/1966, ou seja, a casa tem 56 anos de registro, mas no bar diz que eles estão ali desde 1944 na Praça esquina com a Rua Jaceguai. 78 ANOS DE HISTÓRIA.
Quem me apresentou foi a minha mãe, num sábado, dia mundial de comer besteira, como ela diz. Sentamos para tomar comer os bolinhos que só havia provado quando ela encomendava. Chegava quentinho. Fritura sequinha. Isso se mantém até hoje.
Na época, a Dona Natalina e seu marido Alberto Rosário, também conhecido como Zé estavam a frente da casa. Ela sempre foi responsável pelas receitas de tradição portuguesa. O bar, atualmente, é administrado pela Dona Cidália e o irmão, Antonio. O Zé veio de Portugal por intermédio de uma carta de trabalho, e que foi ser empregado do dono do atual Bar Varnhagen. Com o tempo, pode comprar uma parte do negócio e, em seguida, a parte do dono, tornando-se único na sociedade. Essa é uma história muito comum dos portugueses imigrantes e dos bares e botequins do Rio. Trabalhadores que se tornam donos do negócio.
Em 2013, Dona Natalina veio a falecer, ela que era a criativa das receitas. Apesar do baque, a família manteve a tradição de participar dos concursos Comidas di Buteco e qualidade da comida.
Mas porque bar dos passarinhos?
Zé era aficionado por passarinhos e transformou o bar em ponto de encontro dos criadores que costumavam se concentrar na praça, na feira de compra e venda de animais. A feira não existe mais, mas até hoje, aos sábados e domingos, é possível encontrar da hora que abre até fechar uma mesa de passarinheiros nostálgicos, que levam suas gaiolas, tomam cerveja, petiscam, almoçam e jogam conversa fora. Sem dúvida, por lá, temos o único estacionamento de gaiolas de que se tem notícia na cidade - continua funcionando a todo vapor.
O ambiente de pura nostalgia
Eu sou completamente apaixonada pela arquitetura do lugar. O sobrado é bem antigo, um dos poucos imóveis da praça que mantém a arquitetura de época. Impecáveis azulejos azuis e brancos forram suas paredes. O mobiliário e pequenos letreiros mostram o que o bar serviu e ainda serve no dia a dia.
Apesar de não aparentar ter tido muitas modificações, vendo fotos dá pra ver que poucas coisas mudaram, mas a essência segue a mesma. Uma das coisas que me impressiona é o tamanho da cozinha, bem pequena. A organização de um botequim é algo que me fascina demais.
A comida
Confesso que não tenho muitas fotos das comidas que já comi, foram muitas. Sou fascinada pelas frituras da casa. Sequinhas, bem feitas. Tem bolinhos, pastéis, croquete. Imperdível pra mim é o pastel de carne assada. Ela vem desfiada, molhadinha. São bocadas bem temperadas a cada mordida.
Já pros pratos, eu amo arroz de moela, carne assada, pernil, peixe, frango. Tem comida bem servida pra todos os gostos. Se você beliscar antes, dá pra dividir o prato depois. Nos finais de semana tem rabada e mini feijoada. Ambas fazem tanto sucesso que se não chegar cedo, não acha. Pra adoçar a vida, o pudim da casa é bem feito, com calda. Uma tradição da doçaria brasileira.
Uma coisa que nunca falha no Varnhagen é a cerveja gelada, nunca tomei nada que não fosse do jeito que o carioca gosta. Rs. Ah! O código mundial do botequim funciona muito bem. Basta tirar a garrafa da camisinha que magicamente aparece outra gelada na sua mesa.
Recomendo chegar cedo, pegar uma mesa embaixo da esplendorosa amendoeira, ir sem pressa, com quem cê gosta e ir compartilhando comida e causos. Outro dia, num domingo de sol, sentei com o Edu (o pai do Chico do Gole #4) pra tomar café da manhã com fritos e cerveja. Teve uma vez também que almocei, fui fazer compras no Hortifruti do lado do bar e quando voltei encontrei meu pai almoçando, foi o dia dessas fotos. Brinco com a Cida que se ela botar uma mangueira ou um chuveirão na calçada a gente vai fazer a praia da Tijuca. Eu tenho esse sonho!
Esse é lugar é um segredo bem guardado do meu mundo afetivo do meu país Tijuca. Carregue pra lá pessoas especiais. Respeite a história dos botequins. Seja gentil. Respeite o tempo de um negócio que tá ali desde 1944.
Inté o próximo Gole.
Beijo tchau.
Serviço:
Bar Varnhagen
Praça Varnhagem, 14 A - Tijuca, Rio de Janeiro - RJ, 20540-088
De terça a sexta 09h às 17h | Sábado e domingo 10h às 17h
Somente dinheiro ou débito
Eu PRECISO conhecer o Rio! É isso! Obrigada mais uma vez pelo seus textos. Eu amo!
Vontade de largar tudo e ir nesse bar aí!